Em uma decisão por ampla maioria, com 8 votos a favor e 2
contra, o Supremo Tribunal Federal decidiu permitir a interrupção da gravidez em
casos de anencefalia - quando não acontece a formação do cérebro no feto.
Os discursos dos ministros abordaram questões como a definição
do início da vida - já que nem a Constituição nem o Código Penal estabelecem
quando acontece esse momento. Alguns também argumentaram que o aborto de
anencéfalos estaria contemplado no Código Penal se na década de 1940 - quando
ele foi estabelecido - houvessem exames capazes de mostrar essa condição. Muitos
ressaltaram o sofrimento da mãe. Também foi destacada a legislação em outros
países - 94 permitem o aborto nesses casos.
Ao final da votação, houve uma preocupação por parte dos
ministros de estabelecer como será feito o diagnóstico correto. Gilmar Mendes
chegou a dizer que 'poderão nesse caso, se não legitimarmos a cautela, legitimar
verdadeiros açougues'.
O julgamento começou na quarta-feira, 11, quando em pouco mais
de oito horas de debates, cinco ministros votaram a favor - Marco Aurélio Mello,
Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Ricardo Lewandowski se
posicionou contra a decisão, e justificou seu voto dizendo que qualquer decisão
nesse sentido 'abriria portas para a interrupção da gravidez de inúmeros
embriões portadores de doenças que de algum modo levem ao encurtamento da vida'.
O ministro Antonio Dias Toffoli não votou, pois no passado, quando era
advogado-geral da União, manifestou-se favorável à interrupção da gravidez no
caso de anencéfalos.
No primeiro dia, Marco Aurélio Mello foi o primeiro a declarar
o voto. Ele é o relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamenta
(ADPF) 54, proposta em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Saúde, e iniciou a sessão às 9h50 com a leitura de estudos e pesquisas sobre a
anencefalia. Segundo o ministro, 'a gestação de feto anencéfalo representa um
risco à mulher e cabe a ela, e não ao Estado, sopesar valores e sentimentos de
ordem privada, para deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez'.
Para a ministra Cármen Lúcia, 'a interrupção da gravidez nesses
casos não é criminalizável'. Tal opinião complementa o discurso de Luiz Fux, que
falou pouco antes e afirmou que 'a interrupção da gravidez tem o condão de
diminuir o sofrimento da gestante'.
No segundo dia de julgamento, que durou pouco mais de seis
horas, os ministros Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes e Celso de Mello se
mostraram favoráveis à interrupção da gravidez. O presidente do STF, Cezar
Peluso, foi o segundo voto contrário. Ele fez uma ampla defesa do feto à
vida
Segundo Ayres Britto, 'à luz da Constituição não há definição
do início de vida, nem à luz do Código Penal. É meio estranho criminalizar o
aborto sem a definição de quando começa essa vida humana.'. Gilmar Mendes
lembrou que a situação da gravidez de um anencéfalo tem relação com as duas
condições em que hoje o aborto é permitido, pois tanto leva a riscos à saúde da
mãe, quanto causa danos psíquicos - como nos casos de gestação resultante de
estupro. Celso de Mello concluiu seu voto confirmando 'o pleno direito da
gestante de interromper a gravidez de feto comprovadamente portador de
anencefalia'.