Escrito por Magaly Sonia Gonsalez
O divórcio é uma prática muito antiga. No tempo de Moisés, era permitido ao marido repudiar qualquer uma de suas mulheres (a mulher era propriedade do marido) e lhe passar uma “carta de divórcio” por qualquer motivo.
Antes, o adultério da mulher era punido com a lapidação (apedrejamento) e Jesus queria evitar essa calamidade. Tal como Jesus, também achamos que o divórcio pode ser um recurso a ser acionado para se evitar um mal maior. Pode ser uma medida contra o suicídio, homicídio, agressões e outras desgraças. Apesar de não dever ser estimulado ou facilitado, às vezes deve ser usado como recurso, não como solução.
Houve uma época, aqui no Brasil, em que o divórcio foi tema de acirrada polêmica. Uma verdadeira disputa político-religiosa. De um lado os antidivorcistas e, de outro, os pró-divorcistas. O projeto tramitou no Congresso Nacional, cheio de “lobbies”, com ampla discussão, enorme repercussão e finalmente foi aprovado. Depois, regulamentado por lei, foi colocado em prática. Passou a ser fato consumado, sem despertar mais interesse para discussões. No entanto, o seu mérito e as repercussões familiares precisam continuar a ser enfocados.
Compromisso com a evolução
O casamento será sempre um instituto benemérito, acolhendo, no limiar, em flores de alegria e esperança, aqueles que a vida aguarda para o trabalho do seu próprio aperfeiçoamento e perpetuação. Com ele, o progresso ganha novos horizontes e a lei do renascimento atinge os fins para os quais se encaminha. Ocorre, entretanto, que a Sabedoria Divina jamais institui princípios de violência e o espírito, conquanto em muitas situações agrave os próprios débitos, dispõe da faculdade de interromper, recusar, modificar, discutir ou adiar, transitoriamente, o desempenho dos compromissos que abraça.
Em muitos lances da experiência, é a própria individualidade, na vida espiritual, antes da reencarnação, que assinala a si mesma o casamento difícil que enfrentará na vida física, chamando a si o parceiro ou a parceira de existência pretérita para os ajustes que lhe pacificarão a consciência, à vista de erros perpetrados em outras épocas. Reconduzida, porém, à ribalta terrestre e assumida a união esponsalícia que atraiu a si mesma, ei-la desencorajada à face das dificuldades que se lhe desdobram à frente. Por vezes, o companheiro ou a companheira voltam ao exercício da crueldade de outro tempo, seja através de menosprezo, desrespeito, violência ou deslealdade, e o cônjuge prejudicado nem sempre encontra recursos em si para se sobrepor aos processos de dilapidação moral de que é vítima.
Compelidos, muitas vezes, às últimas fronteiras da resistência, é natural que o esposo ou a esposa, relegado a sofrimento indébito, valha-se do divórcio por medida extrema contra o suicídio, o homicídio ou calamidades outras que complicariam ainda mais o seu destino. Nesses lances da experiência, surge a separação à maneira de bênção necessária e o cônjuge prejudicado encontra no tribunal da própria consciência o apoio moral da autoaprovação, para renovar o caminho que lhe diga respeito, acolhendo ou não nova companhia para a jornada humada.
É óbvio que não é lícito, de maneira nenhuma, estimular o divórcio em tempo algum, competindo a nós, encarnados, tão somente nesse sentido, reconfortar e reanimar os irmãos em luta nos casamentos de provação, a fim de que se sobreponham às próprias suscetibilidades e aflições, vencendo as duras etapas de regeneração ou expiação que pediram antes do renascimento no plano físico, em auxílio a si mesmos. Ainda assim, é justo reconhecer que a escravidão não vem de Deus e ninguém possui o direito de torturar ninguém, à face das leis eternas.
O divórcio, pois, baseado em razões justas, é providência humana e claramente compreensível nos processos de evolução pacífica.
Efetivamente, Jesus ensinou que “não separeis o que Deus juntou” e não nos cabe interferir na vida de cônjuge algum, no intuito de afastá-lo da obrigação a que se comprometeu. Ocorre porém que, se não nos cabe separar aqueles que as Leis de Deus reuniu para determinados fins, são eles mesmos, os amigos que se enlaçaram pelos vínculos do casamento, que desejam a separação entre si, tocando-nos unicamente a obrigação de respeitar-lhes a livre escolha, sem ferir-lhes a decisão.
Assim, devemos, antes de qualquer decisão precipitada, entender que no lar se cumpre a lei da reencarnação, como se fosse um filtro sagrado a depurar-nos das paixões em que nos enredamos em passado próximo ou remoto.
A Lei do Amor nos estimula. Se o casamento, contudo, revelar-se difícil, problemático, convém saber que tal situação decorre de nossas próprias necessidades evolutivas e é produto de nossa própria escolha.
Por vezes, contudo, o casal perde a coragem e o gosto pela vida a dois e, não raro, um ou ambos voltam a se ferir, seja na crueldade, na violência, no desespero ou na deslealdade. Quando tal situação se apresenta, é natural que um dos cônjuges recorra ao divórcio, para evitar outras consequências ainda mais comprometedoras e dolorosas.
Os filhos do casal, se houver, poderão sofrer. Contudo, se a criatura prejudicada pela guerra instalada no lar tiver a aprovação da própria consciência, nada impedirá que ela renove o seu caminho após o divórcio, buscando nova companhia.
Reflita, contudo, com muita prudência diante do casamento assaltado por dificuldades, para saber se, com um pouco mais de tolerância, um tanto mais de paciência, o casamento não poderia ser sustentado. Evite, se houver a separação, de utilizar os filhos do consórcio como armas contra o outro cônjuge, a fim de pervertê-los em seus sentimentos mais profundos.
Reexamine-se antes de tomar a decisão definitiva da separação, ponderando se a angústia e o sofrimento dentro do lar não são reflexos de nós mesmos.
Lembre-se de que a vida é, em essência, processo de evolução e, por isso, o lar não deve ser desfeito debaixo de nossos impulsos primários, de nossas queixas e lamentações.
Cada cônjuge é herdeiro de si mesmo. O lar é sempre um educandário.
Antes da separação, contra a qual não se opõem as Leis Divinas, reflita se o companheiro ou a companheira do lar não é a alma de que você mais necessita para se superar.
Artigo publicado na Revista Cristã de Espiritismo, edição 10.