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Allan Kardec

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A história de Júlio (Parte 2)



Na minha encarnação anterior tive por pais os mesmos espíritos que o foram nesta última.

Eles formavam uma família feliz. Meus pais, casados há anos, viviam harmoniosamente, tinham duas filhas casadas e netos, quando mamãe engravidou. Embora surpresos, achando-se velhos, me receberam como presente de Deus. Foram excelentes pais, me amaram, cuidaram de mim, me educaram, dando ótimos exemplos. Cresci forte, sadio e inteligente.

Espírito inquieto, não dei valor a nada que recebia. Achava meus pais velhos, “caretas” e me envergonhava deles. Era respondão, às vezes bruto com eles. Achava que me enchiam.

Estudava numa universidade e comecei a consumir drogas. Não tinha motivos como desculpas. Não existem motivos para entrar no vício, mas alguns viciados arriscam algum fator para se justificar. Quis sensações novas e achei que nunca ia me tornar dependente delas. Das leves às pesadas, me viciei, porém achava que as largaria quando quisesse. Comecei a gastar mais dinheiro e mentia aos meus pais, dizendo que era para o estudo. Não desconfiavam e me davam, privando-se até de remédios.

Foi então que ocorreu o acidente. Numa viagem de fim de semana, meus pais desencarnaram juntos num acidente de trem.

Senti a falta deles, mais ainda do que eles faziam por mim. Não quis morar com minhas irmãs, fiquei sozinho na nossa casa. Formei-me dois meses depois e arrumei um emprego. Mas passei a me drogar cada vez mais. E agora não escondia e as usava em casa.

- Júlio, por favor, pare com isso! Pense em nossos pais! — diziam minhas irmãs, preocupadas.

- Não sou um viciado! Uso-as porque quero e paro quando quiser — respondia rudemente.

Minhas irmãs, cunhados e até sobrinhos, ao saberem, tentaram me ajudar. Passei a ser violento, não aceitei a intromissão deles.

Não produzia no trabalho e, como faltava muito, fui demitido e passei a consumir cada vez mais tóxicos; me tornei um farrapo humano. Fui vendendo tudo o que era de valor em casa, não comprei mais alimentos, minhas irmãs que os traziam, como também passaram a pagar as despesas da casa e alguns débitos meus. Mesmo assim, não gostava dos meus familiares, não queria vê-los, os evitava e quando vinham em casa os expulsava violentamente. Senti que eles planejavam me internar. Então, achando que a vida estava insuportável, resolvi me suicidar. Tomei uma overdose. Mas não morri, passei mal. Quando melhorei, levantei-me; estava deitado no tapete da sala. A casa estava uma anarquia. Tomei remédios, todos que encontrei, o resto de heroína e uma bebida alcoólica, deitei de novo, certo de que dessa vez ia morrer.

Desencarnei logo, mas era de noite. No outro dia minha irmã veio com a ambulância para me levar e acharam meu corpo morto.

Perturbei-me extremamente. Quando saí do torpor, senti-me preso, no escuro, com cheiro insuportável. Meu corpo estava enterrado e eu ligado a ele. Somos espíritos revestidos do perispírito e encarnados no corpo físico. Quando o corpo carnal morre, o deixamos e este parece somente uma roupa usada. Continuamos a viver espiritualmente revestidos com o corpo perispiritual. Isso é o que normalmente acontece. Mas há os que abusam e imprudentemente, como eu, danificam o corpo físico, a abençoada roupa que nos é dada para nos manifestarmos no campo material. Não fui desligado e fiquei junto ao corpo, sofrendo atrozmente.

Lembrei-me dos meus pais, do amor deles por mim e chorei; chamei por eles:

“Mamãe! Papai! Acudam-me!”

Senti-me tirado dali, parecia que fiquei ali séculos e não meses.

Não consegui me recuperar. Internado num hospital para suicidas, estava perturbado demais. Não tinha desculpa e não quis me perdoar. Que havia feito do meu corpo perfeito? Danifiquei-o com as drogas. Não merecia outro perfeito.

Faço uma ressalva, esta é minha história, que ocorreu comigo. Isso não acontece com todos que foram viciados nem com todos os suicidas. Mas normalmente estes sofrem muito, se os encarnados tivessem consciência disso, não se drogariam nem se suicidariam.

Meus pais preocuparam-se comigo. Amavam-nos muito, a mim e a todos os familiares.

Tiveram uma desencarnação violenta num acidente brutal. Foram socorridos pelos seus merecimentos. Sentiram que eu estava mal, então souberam que era viciado. Tentaram me ajudar, porém essa ajuda é restrita ao livre-arbítrio do necessitado. Pediram auxílio mentalmente às outras filhas, elas tentaram, ignoraram as ofensas e tudo fizeram, até se sacrificaram financeiramente, venderam bens para pagar meus débitos e para ter dinheiro para me internar.

Meus pais viram tristemente meu suicídio. Só quando me comovi ao lembrar deles é que puderam desligar-me da matéria podre e me socorrer.

Entenderam que só melhoraria na matéria. Estava tão perturbado, me desorganizei tanto que só me recuperaria no corpo físico. Com o esquecimento, me organizaria, encarnado recuperaria o que por livre vontade desordenei, danifiquei.

Meus pais reencarnaram unidos por um carinho profundo, casaram novamente e me receberam alegremente por filho.


Do livro “Deficiente mental, porque fui um?” (Cap. 2) - Ditado por diversos espíritos - Psicografia de Vera Lúcia Marinzeck Carvalho - Editora Petit

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